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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

As contradições da Educação Brasileira

Para uma experiência de educação negativa...

Uma outra concepção de educador...

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Brincadeiras, segundo Rubem Alves

Brincar é difícil...
Rubem Alves


Minhas netas: Eu gosto de ler as revistinhas do Pato Donald. Pois o professor Pardal, aquele inventor maluco, teve uma idéia genial. Imaginou que seria legal se ele inventasse, para o Huguinho, o Zezinho e o Luizinho, brinquedos que lhes dessem alegria sempre. Pois há brinquedos que não dão alegria: pipa em dia sem vento, não voa e fica no chão; pião que não gira quando se puxa a cordinha e vai rolando pelo chão; taco de beisebol quando erra a bola e o menino fica com cara de bobo. Quando essas coisas acontecem os brinquedos não dão alegria; dão tristeza. "Pois eu vou inventar brinquedos que dêem alegria sempre", disse o professor Pardal. "Uma pipa que voe sempre, um pião que gire sempre e um taco que acerte a bola sempre!" Dito e feito! O professor Pardal entrou no seu laboratório, pensou, trabalhou e inventou os três brinquedos que, segundo ele imaginava, dariam alegria sempre. De fato, os três patinhos ficaram felicíssimos quando receberam os brinquedos mágicos. Mas a alegria durou pouco. Porque não existe nada mais chato do que um brinquedo que acerta sempre. Brincar só é divertido quando existe a possibilidade de não dar certo. Brinquedo divertido exige luta, esforço: lutar com o vento, lutar com o pião, lutar com o taco, para ver quem pode mais...

Em algumas roças (vocês se lembram que eu morava na roça...) se fazia um jogo muito concorrido por ser muito engraçado: num cercadinho cujo chão era lama pura, bem mole, colocavam um porquinho bem redondo, não sem antes besuntá-lo com graxa. Ele ficava liso, escorregadio e quase impossível de segurar. A seguir, colocavam lá dentro três meninos que queriam pegar o porquinho: quem o agarrasse ficava com ele. Acontece que o porquinho não era bobo e não queria ser pego. Corria, fugia, e os meninos atrás... Bastava que um menino o agarrasse para que o porquinho escorregasse e o menino caísse de cara na lama! Todo mundo morria de rir, inclusive os meninos. Agora imaginem que, se ao invés de um porquinho, fosse uma tartaruga... Qual seria a graça? Nenhuma. Pegar uma tartaruga é coisa muito fácil. Pegar uma tartaruga não é desafio. Todo brinquedo tem de oferecer um desafio. "Desafio" é isso: uma coisa que a gente quer fazer mas é difícil fazer. Num brinquedo a gente está sempre "medindo forças" com alguma coisa: com a água (nadar é brincar com a água), com uma árvore (subir na árvore é brincar com a árvore), com uma pessoa (o "pique": quem corre mais rápido), com uma adivinhação (todo problema é um enigma a ser decifrado)... Alpinista não acha graça subir em morro baixo: o que ele quer é escalar montanha alta, muito alta, que poucos conseguem escalar. Como, por exemplo, os picos Aconcágua e Everest. Essas montanhas são tão difíceis que muitas pessoas já morreram na escalada. E, no entanto, outros alpinistas continuam a tentar a escalada. Por quê? Nada os obriga a isso! Porque as montanhas os desafiam. Olhando para um pico os alpinistas sentem que ele está lhes dizendo: "Estou aqui. Será que vocês podem comigo?" Um quebra-cabeças de 16 peças: que graça tem? É só olhar para saber onde as peças se encaixam. Mas um quebra-cabeças de 500 ou mesmo 1.000 peças: isso sim é um desafio. Aquele monte de peças em cima da mesa está nos dizendo: "Veja se você é capaz de nos ajuntar de forma que todas fiquemos encaixadas umas nas outras e desse encaixe apareça uma quadro..."

Minha mãe gostava de me ensinar brinquedos. Um dos primeiros brinquedos que ela me ensinou, lembro-me muito bem: eu deveria ter 4 ou 5 anos. Ela estava me dando banho, na banheira. Aí ela me disse: "Veja". A seguir ensaboou bem as mãos, fechou a mão direita, abriu um pouco os dedos, de modo que ficasse um buraquinho entre o mata-piolho e o fura-bolo, e começou a soprar suavemente. Do outro lado do buraco uma bolha de sabão começou a tomar forma e foi crescendo, crescendo até que estourou! Fiquei encantado! Quis aprender. A gente sempre tem vontade de aprender quando fica encantado. Levou tempo mas aprendi. Aí, dominada a técnica, os desafios aumentaram: fazer bolhas cada vez maiores. E, por fim, com um gesto rápido, libertar a bolha da minha mão para que ela flutuasse sozinha. Mais tarde aprendi a produzir bolhas de forma mais técnica: colocava um pedacinho de sabão dentro de uma canequinha com água quente, esperava que o sabão derretesse, enfiava um canudinho cortado de um mamoeiro dentro da água, e soprava: e era aquela felicidade, vendo as bolhas que saíam e flutuavam. Uma bolha é um vazio que uma película de sabão prendeu e arredondou...

Outro brinquedo de criança pequena é assobiar. Que inveja dos meninos maiores! E eu soprava que soprava, mas só saía o barulho do vento. Até que um dia, assobiei. Aí passei a assobiar o tempo todo e fui me aperfeiçoando. Até que ficou fácil. Assobiar deixou de ser um desafio. Mas um outro desafio surgiu: aquele assobio forte que se produzia pondo dois dedos na boca, debaixo da língua. Tentei muitas vezes e não aprendi. Ainda hoje eu tenho inveja...

Como a gente era pobre e não tinha dinheiro para comprar brinquedos, a gente fazia os brinquedos. Minha mãe me ensinou a fazer chapéus de Napoleão com jornais, a recortar bonequinhas, todas de mãos dadas, a fazer corrupios com botões e linha, a fazer barquinhos de papel, que eu colocava na enxurrada... Hans Christian Andersen, um contador de estórias dinamarquês, contou a estória de um soldadinho de chumbo de uma perna só, apaixonado pela bailarina da caixinha de música, que navegou num barquinho de papel nas águas da chuva que corriam pela sarjeta, até naufragar num bueiro, que o levou ao rio, onde foi engolido por um peixe...

Para fazer brinquedos a gente tinha de desenvolver duas habilidades. A primeira era um jeito especial de olhar para as coisas. Tendo, na cabeça, o brinquedo que se queria, a gente começava a olhar para os objetos à nossa volta, procurando aqueles que poderiam ser usados para fazê-lo. Tudo podia se transformar em brinquedo: pedaços de madeira, carretéis de linha, pedaços de barbante, vidros vazios (são excelentes assobios), lâmpadas velhas (podem ser transformadas em lentes), chaves, botões, câmaras de ar de bicicletas, pneus, caixas de fósforo vazias (com elas se fazem matracas), bambus (eles têm 1001 utilidades), latas de massa de tomate (com elas se fazem telefones), rolhas, folhas de coqueiro, retalhos, sementes, batatas (com 4 palitos espetados se transformam em bois...), sabugos de milho, caixas de sapato... Bolas se faziam com meias velhas. Bonecas, a tia Anastácia fez a Emília com retalhos velhos, agulha e linha. E o Visconde de Sabugosa, com um sabugo de milho. Os grãos de milho serviram de botões na sua casaca feita com as palhas do milho. Distraído, um frango se aproximou e comeu um dos seus botões... Hoje se compram pipas prontas nas lojas. Não tem graça. Eu fazia minhas pipas. Era preciso produzir as varetas, cortando-as de pedaços de bambu e alisando-as com uma faca até ficarem bem iguais e bem lisas, para que a pipa não ficasse desequilibrada. E, para colar o papel, eu fazia grude, dissolvendo polvinho em água e pondo no fogão de lenha para ferver, mexendo sem parar para não empelotar.

Mas, de todos os brinquedos, aqueles de que eu mais gostava eram os balanços. O primeiro desafio era fazer o balanço: conseguir a corda, descobrir um galho horizontal de mangueira, subir lá em cima, amarrar as cordas, fazer o assento. Depois de feito, balançar, cada vez mais alto, sem que ninguém empurrasse, até encostar a ponta do pé na folha do galho que me desafiava...